Safra recorde: oportunidade ou dor de cabeça para o setor de transporte?

O agronegócio foi um verdadeiro herói para a economia brasileira em 2020. Se não fosse esse setor, o PIB teria despencado ainda mais por causa da crise da pandemia do novo coronavírus. A safra recorde de 257,7 milhões de toneladas de grãos produzidas no País abriu oportunidades para explorar o mercado doméstico e, principalmente, as exportações.

Por causa desse aquecimento, o setor de transporte rodoviário de carga foi um grande beneficiado da safra recorde. Os fretes para o agronegócio garantiram meses de bom faturamento para as transportadoras. Segundo o índice de fretes e pedágios da Repom, a demanda por frete rodoviário no agronegócio teve aumento de 9,5% de janeiro a setembro deste ano. Os caminhões com carrocerias graneleiro, usados para transporte de grãos, foi um dos que mais crescerem na contratação de transporte de cargas. Levantamento de uma plataforma online, a FreteBras, mostra que o graneleiro teve crescimento de 56% no período.

A boa notícia é que o ritmo deverá ser ainda melhor na safra de 2020/2021. A Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab, divulgou no início deste mês que a produção de grãos deverá ser de 268 milhões de toneladas. O volume representará uma nova safra recorde e será cerca de 11 milhões superior a do ano passado.

Esse novo recorde representa a garantia de mais um período de demanda aquecida. Contudo, as velhas dificuldades enfrentadas pelas transportadoras que atuam nesse setor voltam à tona. E, dessa vez, além dos antigos gargalos – como as longas filas de espera para carregar e descarregar a carga –, estas empresas precisam enfrentar os novos problemas para atender a safra recorde. Eles surgiram com a crise do novo coronavírus. São alta no preço do caminhão e de pneus, falta de motoristas qualificados disponíveis e fila de espera de até cinco meses para conseguir comprar um caminhão e implemento novo.

A reportagem do Estradão já havia mostrado recentemente que as transportadoras, principalmente as que atuam no agronegócio e no comércio eletrônico, não estavam encontrando caminhões zero-km para entrega imediata. Essas empresas precisaram migrar para o mercado de usados.

Dificuldade para atender a safra recorde

As transportadoras ainda enfrentam dificuldade para encontrar caminhão e implemento zero-km com prazos de entrega mais razoáveis e preços mais acessíveis. Diretor geral da TransRuyz Transportes, Antonio Ruyz relata que há alguns dias foi às compras de novos veículos. A ideia era começar a se preparar para a nova safra. Mas ele encontrou modelos 20% mais caros do que o mesmo período do ano passado. E o prazo de entrega que a concessionária deu é para fevereiro e março de 2021.

“Eu precisaria desses veículos em janeiro, quando ocorre o transporte desses grãos”, conta Ruyz. O empresário diz que também se assustou com o aumento de preço de 18% dos pneus. O agronegócio representa cerca de 30% dos negócios da transportadora cuja rota ocorre no Paraná, Rondônia e Goiás. Mas, segundo o diretor geral da TransRuyz, essa representatividade poderia aumentar para até 50%. Isso se não fossem as dificuldades que acabam reduzindo os lucros.

Presidente da associação que representa as fabricantes de caminhões, a Anfavea, Luiz Carlos Moraes disse ao Estradão que não há falta de caminhão no mercado e que as fábricas estão ajustando suas produções para atender a demanda. “Em alguns meses o ritmo estará totalmente adequado”, garante.

Em abril, por causa da pandemia, as fábricas paralisaram suas produções. Mas retornaram em junho de forma gradativa para cumprir com os protocolos de segurança. E isso, obviamente, faz com que as empresas produzam a um ritmo um pouco mais lento do que o de antes da pandemia. “Além disso, enquanto as fábricas ajustavam suas linhas de produção, o agronegócio e o e-commerce começaram a crescer em ritmo acelerado”, comenta.

Montadoras estão preparadas

Segundo o presidente da Anfavea, as montadoras já estão preparadas para atender à demanda para a próxima safra. “E já há negócios alinhados para a entrega de veículos no primeiro trimestre”, conclui.

Com relação ao preço, Moraes afirma que não houve aumento sugerido em caminhões, mas a alta de insumos com o aço já preocupa as fabricantes. “Por enquanto estamos conseguindo negociar, mas se isso não se resolver poderá haver impactos até mesmo no frete”, conclui o presidente da Anfavea.

Além da alta do preço e da fila de espera para comprar veículos zero-km, a falta de motoristas qualificados para fretes de agronegócio também é fator de preocupação. Diretor Geral da GVM Solutions Brasil, Felipe Medeiros diz que vem notando a falta de mão de obra qualificada para atender à nova safra. “Está faltando motorista bom porque não é qualquer profissional que tem habilidade para amarrar a lona de um implemento graneleiro, por exemplo”, comenta.

Concorrência com o cliente

A concorrência com o próprio cliente é algo que também afeta as transportadoras. Segundo Medeiros, as produtoras de grãos estão montando suas próprias cooperativas de transporte. “Elas contratam os motoristas autônomos para levar as cargas e muitas vezes acabam não precisando das transportadoras”, desabafa. O agronegócio representa 10% do faturamento da GVM Solutions. A empresa possui 50 conjuntos (caminhões e implementos) próprios e costuma transportar trigo do norte do Paraná a São Paulo. A rota dos caminhões também abrange o Rio Grande do Sul.

Para o presidente da Associação Nacional do Transporte, NTC&Logística, Francisco Pelucio  o setor está se preparando bem, apesar das dificuldades. Na visão de Pelucio, o que precisa ser resolvido com urgência é o velho problema de lentidão de carga e descarga de grãos, principalmente nos portos, o que reduz a produtividade do transporte e gera prejuízo. Ele revela que, nos próximos dias, a NTC ser reunirá em Brasília com a Confederação Nacional do Transporta, a CNT, para discutir esse problema e desenhar um plano estratégico para ajudar a mitigar esse problema.

Planejamento estratégico é fundamental

Ano após ano, a produção de grãos bate recorde no Brasil. O resultado dessa alta produtividade é o aquecimento da demanda por caminhões pesados. Mas essa crescente deverá começar a reduzir em breve. Sócio-gestor da consultoria MA8 Management Consulting Group, Orlando Merluzzi analisa que daqui a cinco anos o modal de transporte para o agronegócio deverá começar a mudar.

Segundo o consultor, o transporte rodoviário de carga passará a dividir a fatia do agronegócio com o modal ferroviário. “O modal representa hoje 15% do transporte no País, mas o governo quer elevar para 30% nos próximos anos. E isso refletirá no agronegócio.”

Com essa nova realidade prestes a ser desenhada, o consultor alerta para a importância das empresas transportadoras realizarem um planejamento estratégico para os próximos anos. “Essas empresas precisam estudar como irão se integrar com novos modais de transporte”, comenta.

Além disso, é importante observar que o modelo do agronegócio que existe hoje não existirá mais em alguns anos. E isso deverá impactar o transportador diretamente. “A baixa produtividade ocasionada pela perda de grãos durante o transporte, por exemplo, vai acabar”, diz. Segundo Merluzzi, quando a produtividade do agronegócio melhorar cairá a necessidade de comprar muitos caminhões. “Quem estiver com seu negócio focado somente no agronegócio precisa redesenhar o planejamento para os próximos anos”, conclui.

  • Data: 26/10/2020
  • Autor: Estradão - Fonte: Estradão