Saúde das empresas ‘segura’ Bolsa em ano turbulento
A Bolsa tem mostrado uma resistência incomum para um ano eleitoral. Mesmo com todas as incertezas do quadro político e do cenário externo desfavorável para emergentes, ela tem se mantido no território positivo em 2018. Até setembro, subiu 4%. A atual resiliência do mercado, segundo analistas, é resultado da “lição de casa” feita pelas empresas durante a crise, que fizeram pesados ajustes para voltar a lucrar. Isso aponta expectativa de ganhos no médio prazo – que, é claro, também dependem do resultado das urnas. O saldo positivo da Bolsa contrasta com disparada do dólar – já que, geralmente, dólar e Bolsa caminham em sentidos opostos, pois o aumento da percepção de risco aqui incentiva a fuga para ativos estrangeiros. No acumulado até setembro, a moeda norte-americana avançou mais de 20%, evidenciando o aumento da desconfiança com o futuro da economia brasileira. A Bolsa, porém, vem resistindo.
Bolsa
Apesar da disparada do dólar, Bolsa segura perdas Foto: Gabriela Biló/Estadão
“De 2015 para cá, as empresas cortaram despesas e ficaram mais leves – assim, no ano passado, voltaram a ter lucro”, observa Victor Candido, economista-chefe da Guide Investimentos. O resultado pode ser observado ao se comparar um indicador que relaciona o preço da ação – quanto o mercado acredita que a companhia vale – com seu valor patrimonial ou contábil, como consta em seu balanço. É o chamado P/VPA. Segundo levantamento do professor da FIA Marcos Piellusch, a pedido do Estado, em 2015, auge da crise econômica, com o dólar na casa dos R$ 4, as 100 empresas mais negociadas e relevantes da Bolsa (agrupadas no IBrX-100) valiam no mercado 14% a mais que no balanço. Já este ano, com a moeda americana no mesmo patamar, a ação das companhias está em média 74% maior que o valor contábil. “Isso indica mais otimismo em relação ao lucro das empresas no futuro”, diz Piellusch. “Claro que, como são expectativas, dependem da retomada da economia.” Clemens Nunes, professor da FGV, lembra que em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, houve valorização do dólar muito repentina – o que pegou muitas empresas “de calça curta”. “Agora, apesar dos extremos, a eleição tem data para acabar, diferente do que aconteceu com o impeachment. Essa previsão mais otimista favorece as empresas.” Apesar de esta ser uma das eleições mais disputadas desde a redemocratização, o cenário é bem diferente de 2002, por exemplo. Até o primeiro turno, o dólar havia subido 57% – a Bolsa, na contrapartida, caiu 33%. “Em 2002, o P/VPA chegou no menor valor da série, o que demonstrava pessimismo”, afirma Piellusch. À época, as 100 empresas mais relevantes da Bolsa estavam cotadas 20% abaixo de seu valor contábil. Com a sinalização de Lula ao mercado e os anos de bonança que se seguiram, o indicador voltou a crescer, atingindo seu auge no início do segundo mandato do petista, em 2007. Já no fim dessa gestão, o indicador passou a recuar – tendência que permaneceu por todo o governo Dilma. Dinheiro de fora. Álvaro Bandeira, economista-chefe da MoldalMais, pontua outro fator que vem segurando a Bolsa: com a guinada do dólar, as empresas brasileiras ficaram baratas. Esse desconto atrai investidores de fora. Prova disso foi o retorno do fluxo estrangeiro à B3 no terceiro trimestre, com entrada de R$ 10,24 bilhões.

Lucro das companhias se descola da economia

A saúde financeira das empresas ainda não transbordou para a atividade econômica. No segundo trimestre, o lucro das companhias de capital aberto avançou 22% na comparação com o mesmo período do ano passado (excluindo Petrobrás e Eletrobrás), segundo a Economatica. O total, de R$ 26 bilhões, é mais do que as empresas lucraram no ano passado inteiro (mesmo incluindo as duas estatais). Na contrapartida, o Produto Interno Bruto (PIB) ficou praticamente estagnado no período, com avanço de 0,2% ante o primeiro trimestre do ano e alta de 1% na comparação com 2017. O consumo das famílias ficou estável (0,1%), pressionado pelo ainda elevado desemprego e também pela greve dos caminhoneiros, que elevou a inflação. “Esse descolamento acontece porque o ajuste das empresas não se deu por aumento de receita, o que indicaria aumento do consumo, mas por redução de despesas – além da queda dos juros, que derrubou os gastos das companhias com a dívida”, explica Piellusch, da FIA. Segundo levantamento do professor, do segundo trimestre do ano passado para o mesmo período em 2018, as despesas das empresas cresceram num ritmo menor que a receita – 7% ante 12%. Além disso, a despesa financeira, com a queda da Selic, recuou 21%. Dividendos x investimento. Outro ponto observado pelos analistas é a freada dos investimentos à espera da definição eleitoral. Como não investem, as companhias distribuem os lucros aos investidores– o que parece uma boa notícia, mas esconde grande cautela. “No momento de muita incerteza, a empresa distribui dividendo acima do normal”, diz Carlos Heitor Campani, da Coppead/UFRJ. Foi o que aconteceu em 2018. Segundo levantamento da Economatica, nos últimos 12 meses até julho, a média do ganho dos acionistas com dividendos e juros sobre capital próprio foi a maior desde 2010.
  • Data: 08/10/2018
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